JANELAS ABERTAS | GILKA BANDEIRA
30 ABR 2013 | Bem junto à janela lateral, um pitiguari – o pequeno emplumado mensageiro – insistentemente propunha, “adivinha quem vem”, “adivinha quem vem”. Vendo a manhã tão plúmbea, respondi ao passarinho que não sabia quem, mas o quê viria, com certeza seria chuva.
Dava para sentir certa umidade e até o cheiro das águas concentradas nas pesadas nuvens escuras a se adensar baixas pouco acima do horizonte e das dunas, fechando o cerco. O mundo estava sisudo, mas esta sisudez não intimidava, nem mesmo trazia a comum nostalgia dos dias assim sem cor, porque bem podia ser a resposta, ainda que tardia, ao clamor de meses das vozes da seca.
> FOTO ROGÉRIO BORGES
Vozes que, cada vez mais enfraquecida, apenas lamentavam tal qual Cecília Meireles: “Perdoa-me, folha seca!/ Meus olhos sem força estão/ velando e rogando àqueles / que não se levantarão...” Velando a lenta agonia dos animais que se vão minguando com fome e sede, ressecando-se até não mais se diferenciar do crestado gretado chão esturricado em que jazem, sem nem mesmo virar carniça e servir de pasto para os carcarás, de tão ressequidos.
Rogando aos que não se levantam porque não têm mais forças ou já estão mortos ou se encontram sentados na maciez das cadeiras do poder, blindados pela cômoda indiferença, presos à burra e dolosa irresponsabilidade, simplesmente eivados pela insensibilidade.
E de tanto velar pelos que se vão a secar ao sol e a rogar aos que não ouvem, dentro da sépia paisagem desolada, as vozes da secas se tornam ainda mais lamuriantes: “Só pelo mundo eu vou / Só tristeza e dor vai me acompanhar /Até que a fé que tinha / na minha esperança quer me abandonar...” bem conforme a cantava Luiz Gonzaga.
Era ainda cedo para saber se as chuvas prenunciadas chegariam às áreas atingidas pela seca e se seriam duradouras e suficientes para pôr fim à tão tirana estiagem. Ao abrir a torneira para lavar o rosto, senti vergonha, misto de compaixão e dor da impotência, diante da água jorrando farta e limpa para mim, enquanto tantos tinham de andar léguas e léguas descampadas por entre roçados crestados, sobre leitos calcinados de idos rios, sem sombra de sombras de algum pé-de-pau, pisando pedras ardentes e terras calcinadas para trazer balde d’água, muitas vezes enlameada.
Estava distante do flagelo, mas podia imaginar o sofrimento dos que viam, dia após dia, tudo evaporar no sumiço das águas e na insolação e que, apesar de regar as esperanças restantes com lágrimas e rezas, iam também perdendo a coragem.
Além da empatia natural e imaginativa, também não me esquecera das macabras imagens mostradas no telejornal da noite: caçamba despejando carcaças ressecadas de animais vítimas da seca à porta de um banco, protesto dos criadores que perderam quase todo rebanho.
Bem que a ideia poderia ser melhor aproveitada, pondo-se as carcaças também nos palácios dos governos, assembleias, câmaras, senados de maneira a fazer Suas Excelências tropeçarem nos cadáveres da própria incúria, que faz com que não façam o que se tem de fazer para evitar que as previsíveis secas sejam as tragédias de sempre.
Como diz José de Almeida Amaral Júnior no artigo, Seca no Nordeste: entre o problema climático e o abuso político, “Seca no Nordeste não é fatalismo. Soluções existem, portanto, desde o século passado. Resta saber quando os beneficiados com a ‘indústria da seca’ irão largar a imoral mamata em benefício da comunidade”.
Há muito o problema extrapolou a esfera climática, passando para a política e assumindo caráter ético, por se constituir em imoralidade a maneira como é tratada, ou destratada.
Imoral, por cruelmente desconsiderar o padecimento de milhares de seres vivos, homens, mulheres, crianças e animais; porque havendo soluções eficientes não são adotadas por falta de vontade, ou prioridades equivocadas, oportunistas, interesseiras próprias da politicagem que há muito asfixiou o verdadeiro sentido da política; porque quando se esboçam providências, têm-se em vista só os grandes agronegócios sem se ver os pequenos produtores, muito menos os Zés Severinos.
Imoral também pela dimensão da problemática social gerada e pelo despudorado desperdício de recursos. São enormes safras e milhares as cabeças de gado perdidas. A perplexidade indaga: o país pode se dar ao luxo de tanto desperdiçar e de ter tanta gente dependente de esmolas (“que matam de vergonha ou viciam o cidadão”) pela falta de condições de produzir?
É justo, inteligente ou mesmo possível, promover desenvolvimento apenas para alguns, deixando as demais ao Deus dará? As consequências (escassez de produtos, alta de preços. Inflação, êxodo rural, inchaço e favelização das cidades) não atingem a todos?
E para que tanto desenvolvimento, destruidor do meio ambiente, se a maior parte da população continua na penúria? E por que as tragédias de algumas regiões comovem e as do norte/nordeste, nem tanto? E ...
Mas eis que chega notícia de que chove na zona da seca. O socorro vem dos céus enquanto o dos homens tarda.
As vozes da seca então dizem, através do canto de Luiz Gonzaga; “Pade Ciço ouviu minha prece/ fez chover no meu sertão”. Resta esperar que a asa branca, ouvindo o ronco do trovão, batam asas de volta pra o sertão e que o verde dos olhos de Rosinha se espalhe na plantação trazendo o namorado dela e a esperança de que, guiados pela sabedoria amorosa, os homens cuidem para que as próximas secas não causem os danos que esta e as passadas causaram.
As vozes da seca repetem amém, amém.
Bom dia, Santo Amaro de Ipitanga
A edição de setembro da Vilas Magazine começa a circular no dia dois destacando em editorial a marca de 200 edições. Outro tema de destaque é o fim da coleta de lixo que a prefeitura sempre fez no pequeno comércio. O fim do serviço público está embasado em lei federal de 2010 que prevê responsabilidade compartilhada entre o poder público e o empresariado, deixando a regulamentação a cargo dos municípios. Em Lauro de Freitas, é uma lei de 22 anos atrás que estabelece o limite de 100 litros ou 500 kg para o que pode ser considerado “lixo domiciliar”. Qualquer coisa acima disso seria “responsabilidade do estabelecimento comercial”. Em Salvador, o limite é de 300 litros por dia.
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Editorial | 200 edições |
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A existência de imprensa local independente é um marcador do desenvolvimento socioeconômico | |||||||
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Obras na Priscila Dutra cancelam 'rallye' | Prefeitura deixa de coletar lixo no pequeno comércio | Veja as capas dos principais jornais |
A coleta de lixo agora se tornou um luxo para nós, comerciantes |
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Thalita Cáceres, lojista que passou a tratar o lixo por conta própria depois que a prefeitura deixou de coletar no pequeno comércio. |
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